República Islâmica do Irão: um "Estado louco"

O desprezo pela conduta do Estado iraniano — tanto internamente como no exterior (nomeadamente no Médio Oriente) — não escapa a quem esteja minimamente atento ao que tem acontecido nos últimos dois anos. E isto sem sequer recuar aos últimos 46 anos: o tempo que já levamos a aturar revolucionários xiitas fanáticos no comando de um país com milhares de anos de uma história (ainda assim) admirável.
Estado louco: uma definição intemporal
É difícil discordar de A.J. Caschetta, professor de Inglês e de Ciência Política no Instituto de Tecnologia de Rochester, Nova Iorque, quando este aplica o conceito de “Estado louco” ao Irão actual. No seu artigo Stimulating Revolt in the Iranian Crazy State, o académico defende que Yehezkel Dror — cientista político israelita que se destacou na segunda metade do século passado — não hesitaria em classificar a República Islâmica do Irão como um desses Estados: “Nações ideologicamente agressivas na busca de objetivos racionais ou contra-racionais”.
Quando se fala em objetivos contra-racionais ou irrazoáveis, refere-se ao facto de estes Estados gastarem porções significativas do seu Produto Interno Bruto (PIB) em esforços de controlo, remodelação, anexação ou destruição de outros estados — frequentemente recorrendo ao genocídio. Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, na Suécia, o Irão foi, em 2024, o 34.º país com maior despesa em defesa: 7,9 mil milhões de dólares, o equivalente a 2% do seu PIB.
Lidar com Estados loucos
Das dezoito falácias que Dror recomendou evitar ao lidar com Estados loucos, Caschetta destaca três. Primeiro, o veterano politólogo alertou que estes Estados podem agir de forma racional a nível instrumental, escolhendo meios extremamente eficazes para atingir os seus fins erráticos e destrutivos. Segundo, os Estados racionais devem proteger-se contra o “efeito do espelho convexo”, a tendência para projetarem nos outros os seus próprios valores e intenções. Como o próprio Dror escreveu, trata-se da “assunção de que todos os países querem para si o que os Estados Unidos pretendem”, o que considera uma “falácia insidiosa”. Por fim, a 17.ª falácia refere-se ao velho erro de confiar que os acordos internacionais assinados por Estados loucos serão respeitados pelos mesmos
A primeira falácia é particularmente pertinente: enquanto os Estados tradicionais procuram obter armas nucleares como forma de dissuasão, o Irão já deixou claro que as deseja para fins ofensivos — contra Israel, os EUA e os seus aliados. Aqui, os meios servem fins corrosivos e irracionais.
Antes e depois de 7 de outubro de 2023
Foi a 13 de junho, com o lançamento da Operação Leão Crescente, que o nome do Irão regressou em força à agenda mediática. Mas, na verdade, o país já era, há muito, um pesadelo para o mundo livre situado no Médio Oriente.
Durante quase dois anos, a atenção concentrou-se na guerra entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza. No entanto, Israel também enfrentou provocações constantes do Hezbollah, a norte, e a ação dos Houthis, no Iémen, que visaram desestabilizar o Mar Vermelho e o Golfo de Áden. Estas três frentes são manifestações de uma dinâmica mais ampla — uma dinâmica que não interessa ao Irão ver terminada.
Israel e Palestina: a perspectiva do líder supremo do Irão
Há catorze anos, Seyyed Ali Husseini Khamenei, o segundo líder supremo do Irão (desde 1989), publicou um livro intitulado “Palestina”. Para compreendermos como o conteúdo do livro é actual, basta notar que, apesar de não se referir directamente a um programa nuclear, o fanático líder menciona que a obtenção e a produção de armas nucleares pelo Irão tornaria este país capaz de impedir qualquer ataque israelita.
Para o jornalista iraniano e presidente do Gatestone Institute, Amir Taheri, a posição de Khamenei é evidente desde as primeiras páginas do livro: Israel não tem o direito a existir. O clérigo destaca o único país com características ocidentais do Médio Oriente como um “adou” (inimigo), um “doshman” (adversário) e um “tumor cancerígeno”. E, sendo este um “tumor cancerígeno”, a sua eliminação serviria, na sua perspectiva, para avisar o mundo de que “a hegemonia e as ameaças do Ocidente” passariam a ser desacreditadas no Médio Oriente. A isto sucederia a promoção da “hegemonia do Irão”.
Segundo o antigo director executivo-chefe do jornal Kayhan, a estratégia delineada pelo líder supremo do Irão para destruir Israel assenta em três conceitos: na “nabudi” (aniquilação), no “imha” (desvanecimento) e na “zaval” (obliteração). Embora, por vezes, pareça recomendar uma “guerra clássica” contra o Estado judaico — e deseje, implicitamente, um massacre dos judeus —, o líder iraniano propõe uma alternativa: um período curto de guerra de baixa intensidade, suficientemente destrutiva para tornar a vida em Israel insuportável, forçando assim a maioria dos judeus a abandonar o país.
A solução proposta pelo clérigo não admite, portanto, a sobrevivência de Israel. A fórmula de um Estado, cujo nome viria a ser “Palestina”, ficaria sob domínio muçulmano, se bem que alguns judeus israelitas que conseguissem demonstrar “raízes genuínas” na região referida poderiam permanecer como “minorias protegidas”. Mais concretamente, Khamenei planeia que o território que actualmente engloba o Estado de Israel, a Faixa Ocidental e a Faixa de Gaza fiquem, durante um curto período, sob um mandato das Nações Unidas, dentro do qual se realizaria um referendo que iria resultar, deve o líder supremo presumir, na criação de um Estado palestiniano. O clérigo louco deve estar ciente dos resultados desse hipotético referendo: todos os “palestinianos”, de onde quer que viessem, poderiam participar nele, enquanto os judeus “que viessem de outros locais” seriam excluídos. Muito provavelmente, os judeus voltariam a ser os “dhimmis” (expressão cunhada por Bat Ye’or) deste Estado. Por exemplo, uma grande parte dos cidadãos da Jordânia (cerca de três quartos deste país está localizado na Palestina histórica) poderiam, é quase certo, participar nesse referendo. E Taheri menciona que estudos do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano já indicaram que cerca de oito milhões de palestinianos provenientes de todo o mundo poderiam participar.
Este livro também foi uma oportunidade para que o líder supremo do Irão se tenha gabado da sua responsabilidade nos ataques terroristas proveniente do Líbano, especialmente na guerra desencadeada pelo Hezbollah em 2006, e de Gaza, iniciada pelo Hamas, contra Israel, admitindo a sua associação no esquema de recrutamento de combatentes na Faixa Ocidental.
Resta esperança
Se nos guiarmos por conceito algo básicos de ciência política e se estivermos minimamente informados sobre a elite política do Irão das últimas cinco décadas, torna-se evidente que Israel e os seus aliados sofrem uma ameaça existencial. E isso deveria abrir os olhos a todos aqueles que ainda duvidam da legitimidade do único Estado ocidental do Médio Oriente em agir militarmente contra o Irão, um estado verdadeiramente desestabilizador e sanguinário. Que as democracias sejam sempre apoiadas nas suas lutas contra os Estados loucos.
observador